A violência pode ter origem em outros ambientes sociais e perpetuar no espaço escolar, bem como pode surgir na escola e repercutir nos demais espaços do cotidiano (RAMOS et al, 2019).
A violência escolar contempla, para além dos acontecimentos passíveis de punição penal (agressões, roubos, entre outros), as transgressões - como a violência verbal, o não cumprimento de regras, a falta de respeito aos professores e colegas, entre outros - que são mais sutis e mais recorrentes no espaço escolar. Discernir as formas de violência possibilita refletir, ajustar e implementar estratégias de enfrentamento e prevenção mais adequadas (DEBARBIEUX, 2002).
Segundo Charlot (2002), a violência escolar pode ser caracterizada por: violência na escola, violência contra a escola e violência da escola. A primeira envolve as manifestações de violência “de fora” que afetam o cotidiano, o ambiente escolar. A segunda compreende os atos de violência contra a escola, seja referente ao espaço físico ou aos integrantes comunidade escolar, como atos de vandalismo, roubos ou furtos do patrimônio, ameaças, etc. E a violência da escola refere-se às práticas da instituição escolar que comprometem seus membros, como por exemplo, os preconceitos e estereótipos, o abuso de poder, entre outros.
É na escola que, muitas vezes, violências sofridas pela criança ou pelo(a) adolescente são percebidas pela primeira vez. Além disso, a escola pode cumprir um papel fundamental de empoderamento de meninas e meninos, tornando-os(as) conscientes de seus direitos e levando-os(as) a reconhecer situações de violência às quais estão submetidos(as). O fortalecimento de habilidades e a possibilidade de um projeto de vida aumentam a confiança e são fatores decisivos para romper com ciclos de violência e prevenir situações como o casamento infantil, a gravidez não intencional e o envolvimento com atos infracionais. A escola pode ser ainda um espaço de desenvolvimento e fortalecimento de habilidades de cooperação e gestão de conflitos, o que contribui para prevenir ou reduzir formas de violência entre os pares, como o bullying* e o cyberbullying (UNICEF, 2022, p.59)
*O Ministério da Educação compreende o bullying como: “conjunto de ações violentas e intencionais (geralmente repetidas) contra outra pessoa e que tem como produto danos que variam desde a ordem física à psicológica, deixando ‘marcas’ não apenas momentâneas, mas também capazes de reverberar ao longo da vida da pessoa que foi alvo do bullying” (MEC)
Para Ricci e Santos Cruz (2022), o déficit de competências socioemocionais (CSE) está relacionado à prática de bullying. Em contrapartida, o desenvolvimento das CSE pode promover a cultura de paz no ambiente escolar, contribuindo para a prevenção da violência - inclusive o bullying, segundo o MEC. As CSE atuam no enfrentamento da violência, contudo, não pela punição, mas propiciando a melhoria do clima escolar, por meio do desenvolvimento da empatia, regulação emocional, etc.
As competências socioemocionais compreendem a conexão consigo (intrapessoal) e com “o outro” (interpessoal), envolvendo a expressão e a forma de reação em diversas situações - como conflito, violência, etc - que afetam as relações inter e intrapessoais.
O autoconhecimento, por exemplo, pode favorecer a identificação de padrões de comportamento, outrora despercebidos, inclusive sobre as próprias reações diante de determinadas situações. Ao trabalhar o desenvolvimento desta competência socioemocional, crianças e adolescentes identificam e expressam seus sentimentos diante de situações conflituosas e/ou desafiadoras. Aliado a regulação emocional e a empatia são recursos para prevenção de relações violentas, até mesmo nas relações afetivas, englobando questões tal como o consentimento (UNICEF, 2022).
As CSE, portanto, podem “atenuar, prevenir e combater a violência na escola”, desde que integre as especificidades da cultura da escola e da comunidade escolar, “reconhecendo os espaços, a cultura e os pares de convivência dos educandos” (RAMOS et al, 2019, s.p)
Por conseguinte, os programas de prevenção de violência devem ser pautados nas características da escola e da comunidade, conforme seu contexto social e cultural, e integrados às atividades cotidianas, compreendendo maior tempo de planejamento e formação dos docentes, como critério diferencial na prevenção em situações de violência. Caso os programas sejam descontextualizados da realidade local escolar “poderão contribuir para segregar, excluir e marginalizar pessoas ou grupos que já são rotulados como diferentes” (SILVA & ASSIS, 2018, p.11).
Para isso é necessário que toda comunidade escolar participe e esteja comprometida com o clima de não violência, na construção de um ambiente de escuta, seguro, acolhedor e dialógico, que propicie/estimule o protagonismo e a autonomia dos estudantes, mas também cuide do(a) educador(a) (ESCOLA DA INTELIGÊNCIA, 2018). Nesse processo, é imprescindível o desenvolvimento das CSE dos educadores, enquanto mediadores de conflitos e facilitadores do desenvolvimento das competências socioemocionais dos estudantes em prol de uma cultura de paz dentro e fora dos muros da escola.
CHARLOT, Bernard. A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão. Sociologias, Porto Alegre v. 4, n. 8, p. 432-443, 2002.
DEBARBIEUX, Éric. Violência nas escolas: divergências sobre palavras e um desafio político. In: DEBERBIEUX, Éric; BLAYA, Catherine (Org.). Violência nas escolas e políticas públicas. Brasília, DF: Unesco, 2002. p. 57-87.
FERREIRA, Meiry de Paula. Educação: prevenção da violência contra as mulheres?. 2019. 147 f. Dissertação( Programa de Pós-Graduação STRICTO SENSU em Educação) - Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia -http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/handle/tede/4389
MEC. Ministério da Educação. Competências socioemocionais como fator de proteção à saúde mental e ao bullying. [página eletrônica]. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/implementacao/praticas/caderno-de-praticas/aprofundamentos/195-competencias-socioemocionais-como-fator-de-protecao-a-saude-mental-e-ao-bullying
RAMOS, Amanda Gessica Mesquita, ALVES, Israela Melo, MARTINS, Josenice Vasconcelos Martins, GOMES, Carmem Silva Bezerra, CALIXTO, Francisca Graziele Costa. Educação emocional: as contribuições das competências socioemocionais para o combate e prevenção a violência escolar. Anais VI CONEDU... Campina Grande: Realize Editora, 2019. Disponível em: <https://www.editorarealize.com.br/index.php/artigo/visualizar/60104>
RICCI, T. F.; SANTOS CRUZ, J. A. O desenvolvimento das competências socioemocionais em alunos da educação básica como ferramenta de combate ao “bullying” nas escolas. Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente Prudente, v. 32, n. 00, p. e021003, 2021. DOI: 10.32930/nuances.v32i00.9116. Disponível em: https://revista.fct.unesp.br/index.php/Nuances/article/view/9116. Acesso em: 15 ago. 2022. - https://revista.fct.unesp.br/index.php/Nuances/article/view/9116/pdf
SILVA, Flaviany Ribeiro da, ASSIS, Simone Gonçalves. Prevenção da violência escolar: uma revisão da literatura. AssisEduc. Pesqui., São Paulo, v. 44, e157305, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201703157305
UNICEF. Comunidade escolar na prevenção e resposta às violências contra crianças e adolescentes. (curso). 2022 Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/19281/file/comunidade_escolar_prevencao_resposta_violencia.pdf
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